O mundo de pernas para o ar!
Ao longo do seu crescimento as crianças são expostas a inúmera situações que são muitas vezes experienciadas como angustiantes e perturbadoras, e onde o mundo (interno) poderá ficar de “pernas para o ar”. Exemplos disso poderão ser episódios de exposição a violência, ameaça à integridade de um dos cuidadores, violência emocional/sexual/física, negligência, divórcio/separação, depressão materna, situações de quarentena/isolamento, entre outros. Perante estes acontecimentos, a criança pode sentir-se paralisada e/ou incapaz de organizar os pensamentos, emoções e lidar com a situação, decorrentes quer da sua percepção de vulnerabilidade e perigo, quer da dificuldade de dar significado e compreender o que está a acontecer.
Compreende-se por isso que eventos com elevados níveis de
stress, interfiram com o desenvolvimento da criança, com a sua capacidade de
simbolizar, ou mentalizar, podendo inclusivamente potenciar “leituras” e
interpretações desadequadas do mundo e das relações com os outros, normalizando
comportamentos e interações que são na verdade lesivas e desadequadas.
Diferentemente de um/a adulto/a, as crianças manifestam
sofrimento psicológico de formas que poderão não ser óbvias aos demais. Algumas
podem exibir comportamentos regressivos como perder competências já adquiridas,
e.g. ir sozinhas à casa de banho (especialmente em crianças mais jovens),
isolamento (nas crianças mais velhas), algumas podem parecer mais “hiperativas”
ou mostrar outro tipo de dificuldades ao nível do comportamento. Podem também
tornar-se mais hipervigilantes e assustadiças, ter baixa concentração, atenção
e parecerem mais distraídas, interferindo na capacidade de aprender, assim como
manifestar alterações no comportamento alimentar e de sono (incluindo sonhos
mais agitados).
Estas “pequenas” vivências históricas poderão ser potencialmente
lesivas ao nível do desenvolvimento neurológico e da personalidade da criança,
impactando a sua saúde física e mental ao longo do ciclo de vida. Níveis de
stress elevados experienciados de forma recorrente ao longo do tempo vão
interferir com as funções executivas (capacidade da regulação dos nossos
pensamentos, emoções e ações) e com a regulação interna, onde a tendência será
procurar alternativas externas para conseguir regular os pensamentos e emoções,
e para conter a sensação de falta de controlo sobre os acontecimentos e o
sofrimento psicológico.
A procura de estratégias para sanar o sofrimento é um
movimento normal e adaptativo, todavia o risco coloca-se quando não são
adequadas, suficientes ou são prejudiciais. Uma criança que desenvolve a
criatividade (escrita, desenho, etc.) como forma de externalizar o sofrimento
interno e de lhe dar significado, poderá ser um exemplo positivo de estratégias
de coping. Inversamente, uma criança que recorre à comida para obter
prazer imediato ou que se refugia no mundo virtual para se abstrair das suas
fontes de sofrimento pode, contrariamente à sua intenção inicial, gerar novos
problemas decorrentes da sua tentativa (ineficaz) de lidar externamente com o
sofrimento psíquico.
Por fim, deve ser salvaguardado que, perante o agravamento da exibição de comportamentos que possam indiciar sofrimento psicológico, é importante proporcionar intervenção psicoterapêutica, onde se procurará ajudar a criança a reconhecer e a ressignificar o/s acontecimento/s.
Esta ajuda
profissional terá impacto ao nível da diminuição dos comportamentos
desajustados e ajudará os/as pais/mães a melhor compreenderem a problemática e
a regorganizar o mundo interno da criança.
Diana Sá Moreira
Psicologia Clínica e Forense | IPNP Saúde
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