Que partes de nós não são afetadas pela demência?
“Penso em ti mesmo quando não estou a pensar”, foram as palavras que uma mãe, com 84 anos e uma demência, disse ao filho certo dia ao telefone.
Demência, essa palavra tão
pesada capaz de encerrar com a memória as vivências que
constituem quem uma pessoa é e o que lhe aconteceu ao longo de uma tão longa
vida.
No entanto este relato,
como outros, desvenda um lado por vezes invisível desta narrativa: não somos só o que lembramos, somos também o que sentimos.
A memória, de um ponto de
vista neurofuncional, não constitui uma estrutura unitária mas um vasto
sistema estruturado em várias componentes cognitivas e sensoriais que
recebem e codificam a informação verbal, visual, olfativa ou corporal, e que
interage com outras funções cognitivas como o pensamento ou a perceção, e com estruturas
límbicas que fazem emergir a emoção.
O que significa que, quando
nos lembramos de alguém, lembramos não só o rosto mas o tom de voz, o cheiro, o
brilho do olhar, a segurança que sentimos quando nos agarrou na mão, ou a
tristeza que nos acompanhou enquanto nos despedimos.
A memória não é só algo
que evocamos, é algo que é ativado espontaneamente quando algo nos é
familiar, seja um conhecimento sem palavras de uma ternura imensa. No fundo,
como se demência não implicasse o esquecimento total das coisas mas funcionasse
como um desligar das redes neuronais que conectam o conhecimento e o sentir.
Lembro-me de ouvir sobre um
senhor num estado avançado de demência, que não conhecia ninguém mas ficava
mais calmo sempre que sentia a voz da esposa em casa com ele.
Compreender a demência
poderá permitir compreender também melhor como funcionam as estruturas
cerebrais que sustentam quem somos, e nós somos muito mais do que aquilo que
lembramos.
Comentários
Enviar um comentário