Criança, Cérebro e Depressão – Sinais de Alerta
A depressão na
infância envolve um profundo impacto no
desenvolvimento da criança em todas as suas dimensões (cognitivas, emocionais, afetivas, sociais). A nível cerebral,
sabemos que esta interfere de forma significativa com o hipocampo, a amígdala e
o córtex pré-frontal, três áreas com funções muito importantes a nível do
processamento da memória, aprendizagem, concentração e cognição.
Vários estudos de
neuroimagem indicam que indivíduos com episódios recorrentes de depressão podem
apresentar uma redução do volume do hipocampo, explicando as dificuldades relacionadas com a memória,
assim como, alterações volumétricas de outras regiões, como por exemplo a
amígdala.
Gaffrey et al.
(2012), a propósito do impacto da depressão a
nível cerebral, salienta a existência de
uma reduzida conectividade entre diferentes áreas do córtex frontal,
relacionadas com a regulação do
comportamento, fundamentais para que a criança consiga compreender e
ajustar o seu comportamento ao meio em que está inserida. Essas áreas estão
relacionadas com a capacidade de regulação
emocional e de lidar com situações adversas. A depressão é então uma
condição clínica muito incapacitante, que pode acrescentar dificuldades e/ou condicionar a capacidade para
desenvolver estratégias proativas de regulação emocional, comprometendo assim
de forma muito preocupante o desenvolvimento da criança.
Num cérebro em
desenvolvimento, este fenómeno pode representar uma “cicatriz” (efeitos da
depressão), com sinais e sintomas que
podem e devem ser detetados precocemente, de preferência
ainda enquanto bebé. Sendo assim, a prevenção
e intervenção precoce, que envolve não só a própria criança, mas também os
seus cuidadores mais significativos, torna-se fundamental.
Seguem-se alguns sinais que alertam para a possibilidade da criança estar a
desenvolver uma depressão, e para a
necessidade de ajuda psicológica especializada:
- Humor disfórico (sente desconforto contante).
- Oscilações de humor, com alternância de estados de agitação eufórica e
choros silenciosos, por exemplo.
- Isolamento, retirada e/ou inércia; por vezes, a criança é descrita como
«demasiado calma, ajuizada», quase indiferente, parecendo «ausente», submissa
(ex.: criança que está muitas vezes no sofá, em frente da televisão).
- Agitação, instabilidade, irritabilidade acentuada, comportamentos auto
e/ou heteroagressivos, auto-estimulações prolongadas; a agitação pode ser
expressa quando se pedem determinadas tarefas ou momentos de atenção - «não
fica no lugar», «está sempre a mexer-se», «é uma verdadeira pilha», «enerva-se
com tudo»; a instabilidade pode tomar a forma de cólera - «não lhe podemos
dizer nada», «é desagradável, colérico, nervoso», de oposição, «recusa tudo»,
«diz sempre não», «nunca está de acordo».
- Os comportamentos de oposição, manifestações agressivas e perturbações
do comportamento (ex.: furtos, comportamentos delinquentes) surgem muitas vezes
como protesto ou reinvindicação face ao estado de sofrimento.
- A nível das aquisições sociais, dificuldades de socialização, ausência
de jogo e pouca autonomia nos comportamentos da vida quotidiana (ex.: higiene,
vestir).
- Sensibilidade extrema às separações do adulto, que se traduz numa
procura relacional tão intensa que compromete a sua atividade autónoma,
procurando a criança «agradar» continuamente. Nestes casos, ir para a
pré-escola, por exemplo, pode ser difícil porque a inserção no grupo de
crianças não é suportada, dada a necessidade da criança de uma relação dual.
- A procura afetiva intensa pode alternar com atitudes de recusa
relacional, de cólera e de violência face à mínima recusa;
- Os «disparates» podem ser frequentes (podendo resultar por exemplo em
ferimentos repetidos, atitudes perigosas, castigos incessantes na escola), uma
vez que a criança tende a procurar manifestadamente a punição do adulto como
sanção por uma culpa imaginária intensa.
- Perda de energia habitual, lentificação psicomotora e inibição motora,
marcadas por uma certa lentidão, rosto pouco expressivo e sorridente.
- Falta de interesse, visível por exemplo na interrupção das atividades
lúdicas ou culturais («não se interessa por nada», «nunca lhe conseguimos
agradar»); por vezes transmite de forma direta «estou aborrecido/a», «estou farto/a».
- Falta de autoestima («sou um inútil», «não sou bom em nada»); a
desvalorização observa-se muitas vezes através da expressão de uma dúvida
imediata face a uma questão, a uma tarefa requerida - «não sei», «não consigo»,
«não posso», ou de expressões que traduzem sentimentos de desamor - «os meus
pais não gostam de mim», «ninguém gosta de mim», «os meus colegas não gostam de
mim».
- O sentimento de culpabilidade ganha facilmente a forma de «sou mau»,
«não sou bom para os meus pais», mas pode também ser diretamente expresso por
«a culpa não é minha».
- Verifica-se por vezes uma atitude permanente de desalinho, como se a
criança fosse incapaz de investir positivamente no seu corpo e na sua
aparência.
- Tendência para perder continuamente os seus objetos pessoais
(vestuário, chaves, brinquedos, materiais escolares).
- Perturbações somáticas, como por exemplo, dificuldades em dormir, com
frequente despertar nocturno, pesadelos (associados a ansiedade, medo, de
acidentes que envolvem os pais, por exemplo), sonolência diurna, oposições ao
deitar que aumentam o conflito com os pais; perturbações do apetite (e
consequentes alterações de peso) com, por vezes, oscilações entre recusa
alimentar e fase bulímica; enurese, mas por vezes também encoprese intermitente;
dores de barriga e dores de cabeça relativamente frequentes encontram-se na
junção da problemática ansiosa com a problemática depressiva.
- A dificuldade em pensar, tomar decisões, memorizar e recordar
informações, em estar atento ao trabalho e em concentrar-se provoca
frequentemente uma fuga, evitamento ou recusa do trabalho escolar, que os pais
e também a própria criança tendem a designar por «preguiça», conduzindo ao
insucesso escolar; em alguns casos, a criança passa, pelo contrário, muitas
horas por dia debruçada nos livros e cadernos mas não consegue memorizar e
aprender.
- A ausência de tratamento e agravamento dos sintomas podem provocar uma
progressiva desadaptação, em particular escolar, confirmando num segundo
momento a desvalorização da criança («sou inútil», «não sirvo para nada», «não
consigo»), acentuando também a incompreensão entre pais e filho/a.
- Ideias de morte ou de suicídio podem ser expressas, dizendo a criança,
por exemplo, «que não é amada e que vai morrer ou se vai matar».
Estes sinais/sintomas,
se apreciados isoladamente, não são necessariamente significativos do episódio
depressivo, mas a conjunção de vários,
a sua permanência no tempo e a
notória modificação comportamental
que induzem são muito características.
Quanto mais cedo os pais, professores, ou outros cuidadores
significativos, procurarem ajuda profissional especializada, mais rápida e
eficaz será a intervenção e menor será o
impacto da depressão no desenvolvimento neurocognitivo, emocional e
relacional das suas crianças.
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