Será que já é possível ler pensamentos?

 Qual a veracidade do desenvolvimento de um implante que permita ler pensamentos? E o que é o “locked-in syndrome”?

As síndromes “locked-in” podem ter várias etiologias/causas, como um AVC do tronco cerebral ou um quadro (avançado) de esclerose lateral amiotrófica (ELA), que, de forma geral, se caracterizam por um cérebro plenamente funcional “fechado” num corpo paralisado. É por isso de prever que uma das principais dificuldades inerentes a esta condição seja a frustração pela incapacidade de comunicar, desde as necessidades mais básicas aos estados emocionais e do pensamento. 

Esta situação clínica ganhou maior reconhecimento com Jean Dominique Bauby, jornalista e editor da revista “Elle” francesa, que com 43 anos sofreu um AVC e perdeu a capacidade de comunicar verbalmente e de mover voluntariamente qualquer músculo do seu corpo, inclusive para respirar. Houve no entanto uma exceção, conseguia piscar um dos olhos e, fazendo recurso a esse movimento, conseguiu comunicar aos seus cuidadores que se mantinha consciente de tudo o que se passava à sua volta e depois ditar os estados das suas vivências internas. Este relato ficou eternizada no livro “O Escafandro e a Borboleta”, e mais tarde também no filme “Le Scaphandre et le Papillon” de Julian Schnabel produzido em 2007.

Porque é que esta questão se torna atual?

Têm sido vários os projetos de investigação que procuram desenvolver metodologias para ajudar estes pacientes a comunicar e sair do estado “fechado em si mesmo” em que se encontram, mas nem todos com sucesso.

Recentemente um outro paciente foi notícia, um homem de 36 anos e um diagnóstico de ELA, em estado “locked-in” inicialmente sem afeção dos movimentos dos olhos passando posteriormente para um estado de total incapacidade para comunicar. Posteriormente, através do recurso a um interface cérebro-computador, procurou-se tentar comunicar diretamente com o cérebro deste paciente.

A técnica passa pela colocação de elétrodos no tecido cerebral através de neurocirurgia que depois identificam e descodificam a atividade elétrica no córtex motor primário, que corresponderia à tentativa de mover os olhos e responder a perguntas simples com “sim/não” e, mais tarde, mediante a apresentação de um sistema aumentativo da comunicação, escolher letras e formar frases ao doloroso rácio de uma letra por minuto.

Assim, esta técnica não sendo capaz de “ler pensamentos” permite ao paciente ditar o que pretende comunicar. Aproximadamente 4 meses depois de ser treinado a usar este interface a primeira ideia que transmitiu foi um agradecimento à equipa de investigadores, e mais de 12 meses depois falou de desenhos animados com o filho de quatro anos.

Este foi um dos primeiros casos de sucesso descritos na literatura, sendo que dentro das muitas limitações desta técnica encontram-se a lentidão e dificuldade em descodificar os sinais neuronais, e o facto de estar muito dependente da capacidade de atenção e nível de vigilância dos pacientes.

Por outro lado, além das vantagens descritas, o desenvolvimento desta metodologia permite ter pela primeira vez acesso ao funcionamento cerebral em casos de “locked-in” e assim avançar alguns passos na compreensão do funcionamento deste órgão que em pleno século XXI esconde ainda tantos segredos.

Para saber mais mais pode consultar:

Chaudhary, U., Vlachos, I., Zimmermann, J.B. et al. (2022). Spelling interface using intracortical signals in a completely locked-in patient enabled via auditory neurofeedback training. Nature Communications, 13, 1236. doi:10.1038/s41467-022-28859-8
Chaudhary, U., Xia, B., & Silvoni, S. (2017). Brain–computer interface–based communication in the completely locked-in state. Plos Biology, 15 (1). doi: 10.1371/journal.pbio.1002593
Vansteensel, M., Pels, E., & Bleichner, M. (2016). 
Fully implanted brain–computer interface in a locked-in patient with ALS. The New England Journal of Medicine, 375, 2060-2066. doi:10.1056/NEJMoa1608085.



Susana Oliveira-Lopes
Neuropsicóloga Clínica| IPNP Saúde 






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