BRINCAR É CRIAR "DENTRO E FORA DA CAIXA"


O brincar não é acaso, inútil. É um processo primário de base neurocomportamental, intrinsecamente conectado com a aprendizagem e, por isso, com um papel importante no desenvolvimento psicomotor, cognitivo, afetivo e social. 

Considerado um dos sete sistemas emocionais inatos no mesencéfalo, a atividade lúdica altera a estrutura e a função cerebral, ao nível molecular (epigenético), celular (conectividade neuronal) e comportamental (habilidades socioemocionais e de funcionamento executivo) que promovem a aprendizagem e o comportamento adaptativo e pró-social.

Constitui-se como um veículo através do qual as crianças estabelecem relações sociais com os outros, interagem com os seus pares e adquirem novos conhecimentos. Através do brincar a criança integra a realidade e cria o seu próprio mundo, facilitando, assim, uma atitude ativa e empreendedora no seu próprio crescimento - criar “dentro e fora da caixa”.

Mas o que é brincar?
É difícil encontrar uma definição clara e inequívoca, dado que se trata de um construto complexo, composto por comportamentos e atividades específicas, atitudes e estilos comportamentais.  

O brincar é uma atividade voluntária, que implica regras, permite sair da "vida real" e decorre num determinado espaço e limite de tempo. É composta por quatro importantes dimensões:
:: realidade interna, onde a criança suspende a realidade externa para estabelecer regras e ações  de acordo com os seus desejos, assim como fingir que é algo e/ou que está a desenvolver determinada tarefa.
:: motivação intrínseca, que se refere à capacidade da criança se envolver na atividade, estando assim preocupada com a finalidade e o objetivo da brincadeira e não com as exigências externas; 
:: locus de controlo interno, onde processos e objetivos do jogo são autodeterminados pelas necessidades da criança;
:: e, por fim, o enquadramento que se refere à capacidade de, durante a brincadeira, ser capaz de fornecer e de receber pistas sociais, que refletem o modo de como cada um dos participantes quer ser tratado, a compreensão do comportamento do outro e a capacidade de transmitir as suas próprias ideias e atitudes. 

O brincar é determinado pela relação entre estes elementos e representado por um continuum. Deste modo, à medida que estas dimensões se aproximam mais do nível interno do que do externo, o nível do brincar apresentado pela criança é cada vez maior, e consequentemente a neuroplasticidade. 

Brincar é terapêutico? 
A brincadeira, ao potenciar a criatividade e a imaginação através da aquisição de novos papéis, vai servir como uma base de integração de experiências passadas e preparação para a vivência de experiências futuras. Paralelamente modifica a estrutura e função cerebrais, uma vez que promove a criação de novas redes sintáticas, uma maior ativação do sistema límbico, estimula a produção de oxitocina e noradrenalina, processos estes potenciadores da aprendizagem, da neuroplasticidade e da mudança.

Durante a ludoterapia (play therapy) são criados cenários seguros e hipotéticos, que vão para lá da realidade externa, permitindo à criança experimentar, compreender e ultrapassar os problemas/angústias colocados por si, pelos outros e/ou pelo meio envolvente. Este processo proporcionará a aquisição de capacidades de aprendizagem, regulação emocional, autonomia, responsabilidade, interação, raciocínio e flexibilidade, que irão ser determinantes no futuro. 

O brincar leva também à adaptabilidade, dado que diferentes brincadeiras num campo relaxado permitem  a exploração de várias opções, a criatividade na resolução de problemas, a competência social, a motivação interna e melhores estratégias de coping. A evidência da relação entre estas variáveis foi permitindo aos psicoterapeutas lúdicos especializados a conceção de modelos e intervenções cada vez mais efetivas e transformadoras.

Em suma, o brincar assume-se como um poderoso estimulador do desenvolvimento e da mudança. A criança dá (re)significados às experiências, tendo em conta a sua imaginação, o que tenciona expressar na brincadeira e as suas necessidades. É através do brincar que reorganiza, constrói e reconstrói relações entre situações presentes no seu pensamento e situações da realidade e, potenciais, eventos futuros. E, curiosamente, se tudo isto é verdade na criança, também o sabemos ser efetivo no adulto. 

“Play is the highest form of research.”Albert Einstein

Valéria Sousa-Gomes & Cátia Costa
Psicologia Clínica e Psicoterapia | IPNP Saúde 
*disponível em vídeoconsulta ou teleconsulta

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