Como é que o cérebro se está a adaptar às máscaras?

O ser humano é um especialista em rostos praticamente desde o nascimento. Que impacto terá o uso da máscara na forma como comunica e como é que se está a adaptar a esta nova forma de processar a informação?

Entre outras questões, a máscara dificulta o reconhecimento da identidade do outro e naturalmente também dos seus estados emocionais, esconde expressões faciais, e distorce o tom de voz e a prosódia (melodia da voz). Que recursos é que o cérebro humano utiliza para diminuir ou compensar o impacto destes fatores na comunicação e na relação?

Sem dúvida que uma parte importante é a exacerbação da ativação de outros sistemas sensoriais e cognitivos que temos disponíveis.

Vejamos alguns deles.

Temos uma área cerebral específica para identificar rostos, uma área que quando lesionada, dá origem a uma incapacidade para identificar o rosto de pessoas conhecidas. Essa disfunção tem um nome: prosopagnosia. Com parte do rosto encoberto, esta área cerebral terá uma dificuldade acrescida em cumprir a sua função, o que significa que, de forma artificial, ficamos todos com um funcionamento deficitário próximo ao dos prosopagnósicos.

E, se antes interpretar o outro nos surgia como algo natural e automático, e como tal inconsciente, agora o recurso a estratégias conscientes é maior e por isso também mais "cansativo" para o cérebro.

A comunicação transforma-se por vezes num puzzle cujas peças vamos juntando. Perceber que alguém está contente torna-se fácil pela simples análise do seu rosto, no entanto, sem esse recurso torna-se necessário procurar pistas no olhar, movimento do corpo ou tom de voz. Ou seja, em suma, utilizamos mais áreas cerebrais para conseguir o mesmo resultado.

Estas mudanças condicionam um aumento dos recursos atencionais, estamos mais atentos e concentrados no outro para não perder todas as pistas que nos envia e que nos ajudam a perceber por exemplo se está a ser irónico, bem-disposto, zangado, confuso, curioso ou simplesmente sonolento.

Por outro lado, a forma como nós próprios comunicamos sofreu alterações. É evidente um esforço para aumentar o volume da voz (que também a irá distorcer), para falar de forma mais pausada e mais clara, ou para movermos mais o corpo (sobretudo as mãos) como estratégias de compensação. Este esforço resulta em conversas mais lentas, quase coreografadas, mas também mais centradas no essencial.

Todas estas questões resultam numa maior ativação cerebral que condiciona, inevitavelmente, maior consumo de recursos. O cérebro, que evita sempre que possível gastos de energia desnecessários, pode, de forma mais ou menos consciente, priorizar temas de conversa ou mesmo momentos de comunicação. Na prática isto pode significar que: “vou falar do que é importante com quem é importante, para o resto estou demasiado cansado”.

Importa no entanto elucidar: o cérebro humano é um mestre da adaptação. De facto, podemos hipotetizar que este esforço para decifrar o comportamento do outro pode resultar num aprimorar dos nossos recursos emocionais e empáticos e, em suma, tornar-nos experts naquilo que estamos programados para ser desde o nascimento, um ser relacional.


Susana Oliveira-Lopes

Neuropsicologia Clínica | IPNP Saúde





 

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