Envelhecer: ganhar ou perder?

O envelhecimento é um processo único, variando de pessoa para pessoa. Anna Morgan, de Massachusetts, antes de morrer, aos 101 anos, providenciou o seu próprio funeral. Questionada do motivo referiu “Não quero que meus filhos se preocupem com isso tudo isso. Sabe, eles são velhos”!!! Reflete uma perceção positiva da sua autoeficácia e do seu próprio envelhecimento. 

Em muitos casos isto não ocorre. A perceção das várias perdas por parte do/a idoso/a, associada às alterações de rotina, aos constrangimentos e às mudanças nas relações com outros, favorecem uma maior fragilidade e vulnerabilidade psicológica e emocional. Uma atenção e sensibilidade redobradas aos sinais e sintomas são necessárias, diferenciado o normativo do patológico. Velhice não é sinónimo de depressão e de patologia mental. 

 

Habitualmente quando falamos de alterações associadas ao envelhecimento são ativadas automaticamente as perdas/limitações. Contudo, apesar destas, há um conjunto de capacidades que se mantém e outras até que aumentam. 

 

Mantêm-se assim os conhecimentos adquiridos ao longo da vida (inteligência cristalizada), a inteligência verbal, a atenção, a memória a longo prazo, a habilidade de cálculo e a maioria das aptidões de linguagem. Aumentam o vocabulário, as competências sociais, a capacidade de resolução de problemas práticos, o pragmatismo e a sabedoria. Na China e no Japão, a velhice é sinônimo de sabedoria e respeito. Os japoneses consultam seus anciãos antes de qualquer grande decisão, por considerarem os seus conselhos sábios e experientes.

 

Fatores protetores para um envelhecimento saudável são a existência de objetivos, uma emocionalidade mais positiva (com consequente impacto na satisfação de vida; maior foco nos ganhos que nas perdas) e relações socias saudáveis (menor isolamento). 

 

No âmbito das perdas encontramos principalmente cognitivas, que podem provocar dificuldades na adaptação a novos papéis, a mudanças rápidas, falta de motivação e dificuldade em planear o futuro, baixa autoimagem e autoestima, perdas afetivas e sociais e alterações psíquicas que exigem tratamento, como demência, depressão, ansiedade, hipocondria, somatização, paranoia e suicídio. 

 

As perdas cognitivas mais identificadas são ao nível da memória de trabalho, memória episódica recente (ex. localização de objetos, recados, etc.), diminuição da velocidade do pensamento, do raciocínio, das habilidades visuoespaciais e das funções executivas (planeamento, inibição de respostas, flexibilidade) que interferem com a capacidade de executar as atividades básicas do quotidiano e na vivência de um processo de envelhecimento bem-sucedido

 

As alterações dos órgãos dos sentidos (visão, audição, etc.) dificultam o acesso às informações e à aprendizagem. Perante todas estas perdas/alterações quase inevitáveis e a maior parte delas irreversíveis, é necessário pensar e desenvolver, em parceria com o/a idoso/a, estratégias e materiais compensatórios para manter ao máximo possível o nível de funcionalidade, identidade e dignidade, como por exemplo auxiliares de memória externos, como calendários, bloco de notas, etc.

 

Estar sensível a estas modificações permite, ao/à cuidador/a, não apenas compreender melhor a pessoa cuidada, como proceder à adoção de medidas preventivas e de estimulação cognitiva (exercícios cognitivos, diálogos, etc.). Assim, como recorrer a ajuda especializada no contexto da saúde mental para o importante diagnóstico diferencial (por exemplo, se as perdas de memória num idoso se deve a uma perda normativa, uma infeção grave, uma depressão ou uma demência). 

 

No geral, envelhecer é ganhar. Um lugar importante e crucial nas famílias e nas sociedades, uma vez que os/as idosos/as mantêm um elevado envolvimento na comunidade, desempenham cargos, realizam voluntariado, são o apoio insubstituível às famílias e promovem a cultura em diferentes associações, com os seus superpoderes: disponibilidade, sensibilidade e saber acumulado. 

 

Valéria Sousa Gomes

Neuropsicologia Clínica | IPNP Saúde 

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