A Pandemia e as Dependências

A pandemia e as alterações que a acompanham, e que ainda se farão sentir, têm tido reflexo na saúde mental das populações, como o comprovam várias notícias recentemente publicadas em meios de comunicação social e na literatura científica. 

Enquanto o foco tem sido sobretudo colocado sobre as perturbações depressivas e da ansiedade, recentemente foi noticiado o aumento de pedidos de ajuda para lidar com outro grande grupo de patologias, cuja incidência é expectável que aumente nos tempos que se avizinham: as Dependências.


Para além das mais reconhecidas dependências de substâncias, a dependência de jogos de sorte e azar tem também assistido a um aumento durante o último ano, facilitado pelo acesso generalizado a plataformas de jogo online, que substituem em casa os casinos ou outros locais tradicionalmente associados a jogo.



São atualmente conhecidos vários fatores que aumentam o risco de desenvolver comportamentos aditivos ou dependências. Alguns destes fatores, como por exemplo os genéticos, são individuais, ou relacionados com o ambiente na infância e adolescência. Existem ainda fatores de risco relacionados com o meio, como a exposição a stress e insegurança económica.


A relação entre a exposição a stress crónico e o desenvolvimento de comportamentos aditivos ou dependências é bastante conhecida e está extensamente documentada na literatura científica. 


Dentro dos fatores que contribuem para o desenvolvimento de stress crónico contam-se a existência de conflitos ou perda de relações interpessoais, privação económica, perturbações do sono, aumento da exigência percebida em contexto familiar ou laboral, etc.


Para além do papel do stress no desencadear de comportamentos aditivos, importa salientar a grande co-ocorrência de comportamentos aditivos com outras doenças mentais, como a depressão ou ansiedade. Com efeito, é frequente a utilização de substâncias com elevado risco de causar dependência como forma de diminuir o sofrimento associado a sintomas depressivos ou ansiosos, uma espécie de "automedicação", que acaba por trazer consigo o risco da dependência.


O aumento observado de pedidos de ajuda para o tratamento de dependências no atual contexto reflete, muito provavelmente, o stress acrescido a que a população está sujeita, complicado pelo empobrecimento das relações sociais e maior dificuldade na procura atempada de ajuda especializada.

Na avaliação e tratamento de dependências é forçoso atentar ao contexto e variabilidade individual, bem como à eventual presença de doença mental associada. 


O tratamento deve ter em conta, por um lado, a substância ou comportamento problemático, e, por outro, os fatores emocionais, cognitivos, comportamentais e sistémicos que mantém a dependência. A motivação individual para aderir ao tratamento é um dos principais fatores influenciadores do sucesso, podendo e devendo também ser trabalhada nas fases iniciais e durante todo o processo terapêutico.


O consenso científico demonstra que os tratamentos mais eficazes para patologias aditivas associam o tratamento farmacológico com a abordagem psicoterapêutica, permitindo abrir caminho à mudança comportamental sustentada e à prevenção de recaída no futuro. A elevada co-ocorrência com outras perturbações mentais recomenda que a avaliação e acompanhamento devem sempre envolver um Psiquiatra, pelo seu conhecimento acerca da neurobiologia dos comportamentos aditivos e capacidade de ajustar o tratamento farmacológico à individualidade de cada paciente.

 

Pedro Frias Gonçalves

Consulta de Psiquiatria |IPNP Saúde

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