Medicação ou Psicoterapia?

A relação entre o tratamento Psicofarmacológico e Psicoterapêutico foi, ao longo dos anos, sofrendo períodos de maior atribulação, com visões que alternadamente foram opondo as duas abordagens de forma mais ou menos radical e reducionista. 

Estas posições podem, de certa forma, colocar-se em dois extremos: um que defende que todo o adoecer mental resulta de um desequilíbrio eminentemente “orgânico” e segundo o qual a experiência é, em última análise, redutível aos fenómenos biológicos que ocorrem no cérebro, e outro segundo o qual todas as alterações observadas são produto de uma personalidade vulnerável cujo desenvolvimento acaba por desembocar em doença quando sujeito a determinados contextos stressores.

Este posicionamento dualístico tem, até certo ponto, origem na História da Psiquiatria e Psicologia. A formulação no início do século XX, por S. Freud, da teoria psicodinâmica do desenvolvimento psíquico e personalidade, “mãe” das abordagens psicoterapêuticas, gerou o primeiro modelo de entendimento que correlacionava o desenvolvimento e história biográfica com as manifestações de doença na idade adulta.

 

Simultaneamente, e a partir sobretudo da segunda metade do século XIX, as diferentes doenças mentais foram sendo classificadas e agrupadas por psiquiatras mais orientados para uma visão “orgânica” da doença mental, que procuravam distinguir as doenças com base na sua história natural, associação familiar e sintomas, procurando um entendimento mais categorial assente em parte na ideia de que as doenças mentais resultariam de alterações “cerebrais” à data ainda desconhecidas. 

 

Ainda na primeira metade do século XX, algumas figuras incontornáveis da Psiquiatria procuraram “casar” estes entendimentos da doença, formulando visões que, e de uma forma resumida, defendiam que o adoecer mental depende e é profundamente influenciado por fatores biológicos, e a forma como ele se apresenta em diferentes pessoas depende da sua história de vida e estrutura de personalidade.

 

Apesar da discussão ainda hoje se manter, é esta visão que parece garantir, hoje em dia, maior utilidade do ponto de vista terapêutico, justificando a abordagem simultânea Psicoterapêutica e Psicofarmacológica em casos em que ambas são recomendadas.

 

Um bom modelo para observar os benefícios da associação entre a Psicoterapia e o tratamento Farmacológico é a Depressão. Do ponto de vista biológico, é atualmente aceite que, entre outras alterações, o episódio depressivo se associa a uma diminuição de densidade em regiões cerebrais associadas à memória, diminuição das “conexões” entre neurónios e desregulação da atividade de regiões cerebrais associadas à capacidade de selecionar informação de conteúdo “negativo”. Estas alterações são responsáveis por alguns dos sintomas observados no doente deprimido, nomeadamente a perceção de dificuldades cognitivas, a diminuição da “vontade”, irritabilidade, entre outros. 

 

abordagem Psicoterapêutica, cuja eficácia se encontra validada em guias de boas práticas clínicas internacionais para quadros de depressão leve e moderada, pressupõe a disponibilidade e capacidade por parte da pessoa e para pensar acerca dos assuntos abordados, e operar movimentos de mudança na sua vida, orientados pelo processo terapêutico.

 

Tendo estes aspetos em conta, a associação de tratamento Psicofarmacológico à Psicoterapia na depressão permite, por um lado, diminuir os sintomas causadores de sofrimento e que dificultam o trabalho psicoterapêutico e, por outro, impedir o agravamento de sintomas com possível aumento da disfuncionalidade subsequente. 

 

Esta visão complementar encontra-se plasmada em linhas orientadoras internacionais para o tratamento de depressão e de outros quadros clínicos como Perturbações de Ansiedade, Perturbação Obsessivo Compulsiva entre outras. 

 

Em suma, a doença mental deve ser entendida na sua generalidade como resultado de alterações ocorrendo no cérebro, em alguns casos associadas a situações de stress, que interagem com traços de personalidade que, por um lado, podem conferir maior vulnerabilidade ao desenvolvimento de doença e, por outro, condicionam a forma como “o mesmo” diagnóstico se apresenta em diferentes pessoas. 

 

O tratamento deve, então, refletir este entendimento, aliando uma abordagem Psicofarmacológica que atue sobre os mecanismos neurobiológicos à abordagem psicoterapêutica, passível de ajudar na recuperação e prevenção de recaída assente na compreensão do desenvolvimento e personalidade.

 

Pedro Frias 

Psiquiatria 

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Qual a diferença entre a Integração Sensorial e a Estimulação Sensorial?

Projeto Faces da Depressão

Brincar é a forma mais sublime de descobrir! (Albert Einstein)