Espelho meu, espelho meu! Haverá algum livro melhor que eu?
Um livro tem uma identidade própria, tem sonhos: de ser lido, de ser gostado, de passear pela mente de quem o escolhe e ser ponte para outras proezas.
Mas como “viaja” um livro pelo nosso cérebro? Que impacto têm nas estruturas cerebrais e no funcionamento psíquico? Será que o livro está obsoleto ou, pelas suas características únicas, permite ativar lugares em nós que de outra forma permaneceriam adormecidos?
O livro tem a ousadia e o sortilégio de ativar inúmeras e complexas regiões cerebrais, anatomicamente distantes entre si e que a continuidade, inerente à história, permite depois ligar. Senão, vejamos!
As palavras são vistas pelos olhos e só depois reconhecidas e lidas pelo cérebro. Aí o seu significado vai ser interpretado pelo sistema ventral e o sistema posterior vai ligá-las entre si numa sequência coerente. Mais, cada palavra vai fazer emergir imagens dentro de nós, que nos são únicas porque se relacionam com a nossa própria história! Por exemplo, será que o capuchinho vermelho tem a mesma cor de cabelo, roupa ou fisionomia para cada de nós? Seguramente que não! A nossa experiência molda a forma como o livro vai ser projetado e sentido dentro de nós.
E todo o processo de leitura não seria possível sem um recurso cerebral complexo: a função simbólica! Esta permite-nos criar imagens, cenários, linguagens, interpretá-las e reinventá-las, na ausência dos objetos, pessoas e/ou acontecimentos. Tornar mentalmente presente o ausente ou o imaginado. Portanto, sem um funcionamento adequado da função simbólica não há leitura nem há livro!
Num caminho de complexidade crescente, a função simbólica permite um passo mais além da interpretação da leitura em imagens, possibilita também sentir o que estamos a ler. Pela ativação de estruturas ligadas à vivência do emocional, estruturas ligadas ao Sistema Límbico, o livro permite-nos vivenciar a tristeza, a zanga, o ciúme ou a paixão de uma forma que nos é real.
As áreas cerebrais superiores, nomeadamente regiões pré-frontais, responsáveis entre outras funções pela abstração e pela empatia vão permitir simultaneamente que, apesar de sabermos que a história não sendo concretamente a nossa vida, sentimo-la como tal. E essa é a magia do livro.
“O leitor encheu os olhos de lágrimas de repente.
e uma voz carinhosa sussurrou ao ouvido:
- Por que choras, se tudo nesse livro é mentira?
E ele respondeu:
- Eu sei, mas o que eu sinto é de verdade.”
Ángel González
E cada um, à sua maneira, é especial e “toca” e transforma a nossa mente!
Já agora, qual o livro que mais o/a tocou ou transformou?
Susana Oliveira-Lopes e Valéria sousa-Gomes
Neuropsicologia Clínica | IPNP Saúde
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