Parentalidade interrompida: luto na perda gestacional

Toda a mãe e pai tem o direito de enterrar o seu filho, mesmo aquele que nunca pode beijar, tocar, dar banho… A perda gestacional, súbita e imprevista, pode acontecer no útero antes das vinte semanas de gestação (aborto espontâneo), ou suceder, após as vinte, ainda no útero, ou durante o parto (morte fetal). Sucede-se uma quebra violenta e inesperada de uma ligação emocional que tinha vindo a ser construída durante todo o período de gestação. 



A relação com o filho começa a ser construída a partir do momento em que é reconhecida a gestação e não apenas aquando do nascimento. E, por isso, quando este vínculo é (inter)rompido, inicia-se um processo de luto, de enorme sofrimento, na maioria das vezes, e de grandes perdas secundárias. Tomem-se como exemplos a perda de uma gravidez que se esperava normal, da identidade social de “figura parental”, da autoestima, da oportunidade de exercer a parentalidade, do sentimento de segurança e do controlo em relação à vida, assim como das expectativas de continuidade geracional. Há sonhos e projetos que, pelo menos naquele momento, ficam inacabados.
 

A literatura da especialidade tem vindo a identificar alguns princípios para um processo de luto gestacional mais pleno e saudável, como por exemplo ver, tocar e segurar o bebé; dar-lhe banho; tirar fotografias; e atribuir-lhe um nome, para que este tenha uma identidade. Estas práticas ajudam na criação de memórias, oferecem conforto, facilitam a expressão precoce do sofrimento e podem ser uma oportunidade para reforçar a veracidade do nascimento e da morte. 

 

Pode ser importante que os pais olhem para o bebé como uma pessoa real, um membro da família que nasceu e morreu. Ainda que dolorosa, esta pode ser a única oportunidade de os pais contactarem com o descendente e alcançarem uma experiência de contacto real com a perda, facilitando o reconhecimento da realidade da morte. Sem esta experiência de contacto com o bebé e a morte, os pais enfrentam um “não-acontecimento”.

 

O que acontece  é que, quando ocorre uma morte fetal (morte no ventre materno), por vezes, este direito é negado aos pais. Em Portugal, a possibilidade de realizar o funeral realiza-se, apenas, nos casos de nados-mortos que já tenham atingido a vigésima quarta semana de gestação, dando origem, em muitos casos à impossibilidade do funeral, e nestes casos é importante a adoção de outros rituais, com significado para os pais, para que possam iniciar o processo de luto. Por exemplo, criar um livro de memórias e/ou de fotografias. 

 

Um bebé com 19 ou 20 semanas já está praticamente na metade da gestação, já tem um corpo formado e encontra-se em pleno desenvolvimento. No caso de uma gestação naturalmente interrompida este bebé é, literalmente, deitado ao lixo, juntamente com o restante lixo hospitalar. Todos os dias este é também o destino dos corpos de bebés com mais de 24 semanas, os quais supostamente são protegidos pela lei. Muitas mães e pais, por não terem informações sobre os seus direitos ou estarem psicologicamente muito abaladas no momento da perda gestacional, acabam por não enterrar os seus bebés. 

 

Esta perda, permeada de estigma e preconceito, integra uma tendência para que os rituais do luto estejam ausentes, ou que não seja providenciado apoio emocional aos pais durante os rituais fúnebres ou na própria tomada de decisão acerca dos mesmos. Pelo contrário, rituais como o funeral tendem a ser alvo de críticas, constrangimento e incompreensão (“ainda nem era um bebé”, “tenta engravidar novamente”, “pelo menos não o viste crescer”, “ainda és nova, podes ter outros filhos”).

 

trauma da perda gestacional é dramaticamente aumentado quando isto acontece e causa danos emocionais muito graves e de difícil recuperação quando não são devidamente cuidados. Muitas destas mães/pais/amílias não têm, sequer, qualquer tipo de orientação ou de apoio psicológico. 

 

É imprescindível que o processo de luto gestacional seja reconhecido e respeitado pela sociedade, enquanto elemento facilitador dos pedidos de ajuda psicológica por parte destes pais que se encontram num sofrimento significativo, mas vivido, muitas vezes, em silêncio.

 

Neste sentido, deve também ser concedida a oportunidade aos pais de realizarem rituais, como o funeral. A psicologia do luto tem vindo a evidenciar a importância dos rituais fúnebres, enquanto facilitadores do processo de aceitação da perda e gestão do sofrimento. Estes permitem que exista uma despedida e que a família seja respeitada como uma família em luto.

 

A melhor forma de mudarmos este cenário é através da informação. Saiba que estamos cá para si e que podemos ajudar. 

 

Sempre melhores, sempre disponíveis, para que se sinta mais confortável e seguro.

Diana Dias Moreira

Psicologia Clínica e da Saúde | IPNP Saúde 

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