Mutismo seletivo: O mundo de palavras que se encontram caladas…

O mutismo seletivo é uma perturbação de ansiedade, caracterizada pela incapacidade persistente em falar perante situações sociais específicas e em que se espera que se fale (e.g. na escola), apesar de o conseguir fazer noutras situações e/ou contextos (e.g. em casa). 

 

Crianças com mutismo seletivo são geralmente tímidasintrovertidas e/ou ansiosas. Associadas a estas características encontram-se também o medo de embaraço em situações sociais, o isolamento social, o negativismocomportamentos de proteção (e.g. como ficarem “coladas” às pessoas) ou de oposição, ainda que ligeiros, entre outros.

 


Quando em encontros sociais, não iniciam o discurso ou respondem quando os outros lhes falam. Esta falta de discurso acontece essencialmente nas interações entre crianças e adultos, como pode ser exemplo a interação entre aluno e professor/a. 

 

As crianças que apresentam este quadro são geralmente capazes de falar e compreender a linguagem, mas não conseguem comunicar em certas situações sociais, devido a esta timidez excessiva e inibição. Desta forma, privam-sefrequentemente, de participar em atividades coletivas.

 

Quais as consequências?

São várias as consequências, fruto do agravamento, que podem advir desta condição clínica. Ao nível escolar, podem ocorrer défices significativos, decorrentes da incapacidade/bloqueio para comunicarem aos professores/as, as suas necessidades escolares (e.g. ter dificuldades numa tarefa escolar) e pessoais (e.g. não conseguir pedir para usar a casa de banho).

 

Associado a este comprometimento a nível pessoal encontra-se também o facto de estas crianças poderem ser alvo de troça por parte dos colegas, o que vai reforçar o medo do embaraço perante a performance social e conduzir cada vez mais ao retraimento e ao isolamento.

 

Em suma, a persistência desta condição clínica, a longo prazo, pode ter como consequência o evitamento social e gerar dificuldades de ajustamento. O não tratamento, pode resultar numa evolução para as perturbações de ansiedade, como a Fobia Social, e consequente interferir em diversas áreas do desenvolvimento e da aprendizagem.

 

O que podemos fazer para minimizar?

Não punir por este comportamento! Ele não é intencional por parte da criança;

Evitar dar excessiva atenção ao facto de não falar (reduzir os holofotes), como por exemplo, questionar sistematicamente se a criança falou, quando e com quem.

Não insistir, nem forçar em situações sociais! Se o fizermos, corremos o risco de agravar a ansiedade e contribuir para a manutenção deste quadro;

Promover atividades que impliquem interações com os outros, mas de forma gradual;

Evitar comparações;

Solicitar a exposição oral, aos poucos e de forma não evasiva.

Reforçar sempre que há comportamento verbal, através de elogios e/ou recompensas (e.g. fazer com a criança uma atividade que ela gosta muito).

Encorajar a criança a fazer pequenas interações verbais, como por exemplo através do cumprimentar;

Não colocar a criança em situações onde é o centro das atenções;

Não permitir que outros respondam de forma sistemática pela criança. Devemos respeitar o seu tempo e o seu momento para falar;

Proporcionar conforto, para que a criança se sinta segura e confiante.

Acresce que muitas destas crianças desejam participar em atividades socais e para isso utilizam como estratégia o recurso a formas de comunicação não verbal, como por exemplo o apontar, escrever ou até mesmo a utilização de vocalizações, para que consigam interagir com os outros, ou até mesmo envolverem-se em atividades que não exijam a comunicação verbal. Pois bem, esta é uma excelente via para promover a segurança e o desbloqueio da comunicação. 

 

Acontecia exatamente assim, com uma menina de 5 anos, que fora o meu primeiro contacto com uma criança com mutismo seletivo. Ela desejava envolver-se e participar nas atividades da escola, tendo inclusivamente a iniciativa de colocar o dedo no ar, para responder, mas quando lhe era dada a palavra, a única que coisa que se ouvia era o silêncio. 

 

Recordo-me de um momento em particular, em que estávamos as duas num cantinho da sala com um livro de diversas histórias, escolhido por ela. Perguntei-lhe quem ia contar a história e em resposta, ela deu-me o livro (comunicação não verbal). Comecei então a contar uma história, doce e sorrateiramente, partilhando um momento só nosso. Esta estratégia aproximou a menina que, envolvida na fantasia, curiosidade e conforto, se juntou a mim. Ao meu lado a menina comunicava de forma não verbal, replicando as expressões faciais que eu fazia no decorrer da história, cada vez com mais enfase e à vontade. A dada altura, dois colegas aproximaram-se calmamente, quase que de forma despercebida, e quiseram também contar uma das histórias do livro. Como não sabiam ler, exploravam e contavam através da interpretação das imagens. Nós, que ouvíamos atentamente, eramos também parte ativa no conto e expressávamos de forma não verbal, a história que os colegas contavam. Envolvida nesta partilha e conforto do momento, a menina quis também contar uma das histórias e fê-lo

Conseguiu! Sussurrou todas as palavrinhas, mas foi capaz de nos contar uma história, através da interpretação das imagens.

 

Claramente, este não foi um processo circunscrito ao momento aqui explanado, mas foi de facto um momento especial. Foi a primeira vez que esta criança conseguiu falar na escola e não ser invadida por interrogações ou expressões de espanto, por parte dos colegas e educadores/as. Foi um momento natural, em que três crianças e um adulto partilharam vários contos.

 

Ter calma/paciêncianormalizar e/ou reduzir a atenção dada ao facto de a criança não conseguir comunicar de forma verbal e transmitir segurança/conforto, é fundamental para abrirmos as portas para um mundo de palavras que se encontram caladas, de forma involuntária, em determinado/s contexto/s.

 

A ludoterapia (através do lúdico) é uma forma privilegiada de estabelecer vínculo e ao mesmo tempo conseguir promover a comunicação verbal. A partilha do brincar, do afetoamor e compreensão, vão potenciar a confiança e o conforto, por parte da crianças. Quando estas se sentem seguras são mais capazes de falar e de conseguirem enfrentar o mundo que as rodeia.

 

Promover o conforto e a confiança, para libertar as palavras! Ajudar a crescer é a nossa missão!

 

Cristina Silva

Psicologia Clínica e Psicoterapia | IPNP Saúde

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