Afinal, qual a importância dos avós?


Enquanto psicoterapeuta e neuropsicóloga clínica, seja no acompanhamento de crianças, adolescentes, adultos ou idosos, muito me tenho confrontada com a importância deste papel – o de avós – para o desenvolvimento dos seus netos, assim como, também, o dos netos para o bem-estar e saúde dos seus avós.

 

Sem dúvida que a relação avós-netos, quando vivenciada de modo saudável, se trata de uma relação que em muito marca e transforma de forma positiva a vida de todos os envolvidos.

 


Ao contrário do que muitas vezes se pensa, ser avô/avó não é a mesmo que ser pai/mãe. Diferentemente dos pais, ou de quem os representa, que são (ou devem ser) os principais responsáveis pela educação dos seus filhos, os avós, ou seus representantes, apenas têm (ou devem ter) o papel de suporte, o que lhes confere características, capacidades e recursos muito próprios. Suporte, claro, importantíssimo, uma vez que constituem muitas vezes a retaguarda mais próxima e presente dos pais nesta função tão «nobre» que é educar e ensinar os mais novos da família.

 

De que forma, então, os avós podem contribuir para o desenvolvimento saudável dos seus netos?

Os avós servem de «correias de transmissão» de tradições, valores e conhecimentos. Frequentemente, são eles que juntam a família em festas e que transmitem a cultura familiar; são os detentores de bens, como por exemplo, fotografias, jóias de família, que legam às gerações seguintes ou deixam como herança… Podem ser importantes pilares na transmissão de valores, tais como, importância da família, amor, respeito pelo outro, natureza, simplicidade… Ajudam na aquisição de conhecimentos ao acompanhar os netos a espetáculos, ao responderem às suas questões, ao explicarem coisas sobre a natureza... 


Ao contarem histórias familiares, contribuem para fortalecer o sentimento de pertença e as raízes identitárias dos seus netos. Oferecem-lhes uma «fonte de afeto» preciosa, quando são confidentes e bons ouvintes; fornecedores de atençãointeressetempo e disponibilidade; quando ajudam os seus pais a nível emocionalfuncional e material; quando fornecem segurança e estabilidade, por exemplo, na separação dos pais, contribuindo assim para que cresçam num ambiente mais saudável, com uma melhor autoestima


Quem já não ouviu falar da importância de determinadas atividades, promovidas pelos avós, para o bem-estar das crianças, refletindo-se estas inclusivamente em idade adulta? Atividades essencialmente de descoberta, do passado, da natureza, do sentido de festa, do prazer de atividades simples… ver álbuns de fotografias, vídeos de quando os pais eram da sua idade, explorar histórias originais e diferentes, fazer a sua árvore genealógica, passear pelo bosque, observar e alimentar os animais do quintal do avô, ajudar a avó na horta, aprender o nome das árvores, brincar com o gato, observar as estrelas, festejar criativamente o primeiro dia de escola, o seu aniversário e das pessoas que gosta, embrulhar os presentes, ajudar a decorar e a fazer a sobremesa preferida do pai, jogar à bola ou às escondidas, fazer caminhadas e piqueniques, fazer espetáculos de magia, ir ao circo, ao teatro ou ao cinema, conversar… 


Atividades simples, mas ricas em afeto, aprendizagem e desenvolvimento, se pensarmos, por exemplo, que fazer bolachas com o avô/avó desenvolve não só as suas capacidades cognitivas (ex.: de atenção, coordenação, raciocínio matemático, sentido de observação, paladar, linguagem, comunicação), mas também emocionais e relacionais


 

E de que modo os netos, por sua vez, podem constituir fonte de prazer, saúde e bem-estar para os avós? 

Pelo estímulo físico e intelectual que podem representar para eles, através, por exemplo, da brincadeira e das questões que colocam, que os ajuda a estarem mais ativos. Os netos à medida que crescem ajudam também a que os avós se mantenham mais atualizados e adaptados às mudanças próprias do decorrer dos tempos. As crianças tendem também a promover nos avós o desejo de sobreviver e o sentimento de utilidade e continuidade, assim como, a constituírem uma rica «fonte de amor», através das carícias, ternuras e alegrias partilhadas.

 

De referir que, apesar das características comuns a todos os avós, também há muito o que os diferencia. A forma como se assume o papel de avô/avó pode ser muito diferente de família para família, de cultura para cultura. Se há avós que estão muito presentes, há também os que se mantém mais afastados, devido, por exemplo, a questões de personalidade, cultura, idade, estado de saúde, capacidade funcional, distância geográfica, situação matrimonial, atividade laboral… 


Se há pais que investem mais na aproximação dos avós, há também pais que, pelo contrário, evitam contacto, por se sentirem ameaçados ou invadidos, por exemplo. A relação existente entre os avós e pais, assim como entre avós e os seus próprios avós, ditam muito da relação entre avós e netos. 

 

Enquanto avô/avó existem algumas dificuldades que podem surgir, que afetam as dinâmicas familiares, logo o bem-estar dos seus netos. Alerta-se para uma interferência nas decisões parentais que às vezes acontece por parte dos avós, através de opiniões intrusivas, comentários insidiosos. … para a possibilidade de estes às vezes, em situações de conflito, se tornarem mediadores entre os pais e entre pais e filhos, correndo-se o risco de haverem ressentimentos a longo prazo… 


Podem também acontecer rivalidades entre avó e filha ou avó e nora, a tomada sistemática de partido pelo neto ou pais, dar toda a atenção à criança em detrimento dos pais, utilizar a criança como informadora, estar presente de forma «asfixiante», fazer demasiado, desejar ser o centro da vida familiar, incitar ciúmes entre os filhos, estar a ser explorada/o e desrespeitado/a pelos filhos… 


As dificuldades podem complicar-se, naturalmente, perante situações mais exigentes, como por exemplo, o nascimento de uma criança diferente das outras, com dificuldades acrescidas; a adoção de um bebé; ruturas familiares (derivadas de um divórcio litigioso, zangas antigas, por exemplo). Por vezes, pode ser também difícil quando os avós tomam regularmente conta da criança enquanto os pais trabalham, podendo haver confusão de papéis, uma sobrecarga difícil de gerir… Pode também acontecer, os avós terem de lutar para poderem ver o neto, e, alguns, em situações excecionais, terem de substituir os pais a favor do bem-estar da criança, apoiando-se nos direitos que lhes são atribuídos pela lei… 

 

papel de avô/avó, de facto, em muitas situações, pode tornar-se demasiado difícil e exigente, sendo necessário e importante um apoio por parte de um profissional de psicologia. Este ajudará, por exemplo, a uma maior consciência do seu papel; a aceder e compreender a própria experiência enquanto pais, filhos e netos; a relembrar o que gostaram e não gostaram da participação dos seus familiares na educação dos seus filhos; a comunicar melhor com os pais dos seus netos sem emitir juízos de valor, manifestando uma neutralidade bem intencionada; a reconhecer e ajudá-los a valorizar as suas competências parentais; a investir numa presença calorosa, mas não asfixiante; a perceber que em alguns momentos pode ser mais importante uma escuta ativa do que uma participação ativa; a cuidar melhor de si para ajudar a cuidar melhor dos seus netos… 


 

“Os avós lúcidos e generosos – que ainda os há – querem um mundo vivível para os netos que amam e admiram” (António Coimbra de Matos). 

 

A sua saúde e bem-estar, e dos que cuida, sempre em primeiro lugar! 

 

Fonte: Ferland, F. (2006). Os avós nos dias de hoje: Prazeres e armadilhas. 1ª edição. Lisboa: Climepsi Editores.

 

Célia Baldaia

Psicologia Clínica e Psicoterapia | IPNP Saúde

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Qual a diferença entre a Integração Sensorial e a Estimulação Sensorial?

Projeto Faces da Depressão

Brincar é a forma mais sublime de descobrir! (Albert Einstein)