Conversa de Amigas - Léxico versus semântica
A minha amiga é uma excelente conversadora. Esta transcrição de uma conversa fantástica que tivemos por WhatsApp, prova isso mesmo. Ela ouviu, ela fez perguntas, ela foi além da conversa de circunstância, ela contou histórias, ela é animada e envolvente.
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AMIGA: Olha, adoro as vossas conversas de chá [Dois chás de conversa que pode seguir no YouTube]. Fico sempre com vontade de perguntar montes de cenas. E estar aí a discutir. Têm que pensar numa sessão Q&A. Fiquei foi a pensar, depois de ver o episódio Demência, mais do que memória. Como é que isso da demência interage com o bi(tri, whatever)linguismo? Porque, por exemplo, isso de esquecer as palavras, ou misturar, também acontece quando misturas contextos linguísticos, não é? [ela é multilingue em 4 línguas]
EVA: Sim, Muito comum e natural em multilingues.
AMIGA: Mas ao mesmo tempo, sendo multilingue, tens mais recursos, mais ligações neuronais, se calhar.
EVA: Tens, precisamente! Tens uma rede semântica maior.
AMIGA: Então?
EVA: Ou seja, consegues exprimir mais conceitos, porque as vezes uma língua não tem bem o que precisas e vais a outra. E emoções diferentes. É uma riqueza sem par.
AMIGA: Mas perde-se mais ou menos facilmente em casos de demência? Há dados sobre isso?
EVA: O mulitinguismo parece ser um fator protetor. Atrasa o início (onset) da demência. Mas pode haver casos de ficar com uma só língua dominante.
AMIGA: Pois, deve ser como a música, parecido.
EVA: Sim.
AMIGA: E será que se perdes uma palavra, a podes perder de vez em todas as línguas? Porque, a mim por exemplo, sem demência (que se saiba), acontece-me muito ter uma palavra numa língua, mas não conseguir lembrar-me nas outras, embora saiba de certeza o termo. Deve ser o que sente a gente com demência.
EVA: Aí há duas coisas diferentes. E depende da lesão e do grau da demência. Há uma coisa que são as palavras, o teu léxico. E há outra que é a parte semântica, dos conteúdos. Se perdes a semântica, perdes as palavras todas nas várias línguas.
AMIGA: Ok. Então, é como a ferramenta de comunicação e o conceito, é isso?
EVA: Mas podes só perder léxico e o conteúdo, o conceito não. Conceitos e léxico!
AMIGA: A semântica é saber o que é uma pêra.
EVA: Exatamente!
AMIGA: O léxico é saber que se diz p-e-r-a.
EVA: Se alguém diz “aquilo que serve para eu escrever”, tem o conceito. Mas não está a aceder à palavra.
AMIGA: Ok, já percebi. Então, na demência o léxico perde-se mais facilmente (ou antes) que a semântica, imagino?
EVA: Depende. É variável. Mas diria que sim, inicialmente.
AMIGA: E olha, outra coisa. Em casos que a gente "perde as palavras", como é que vocês sabem se é por demência ou outra coisa? Quero dizer, há casos de esquecer as palavras e não poder expressar-se que são devido ao stress, não é? Por exemplo.
EVA: Nós [terapeutas da fala] não fazemos o diagnóstico de demência. Tendo esse diagnóstico, assumimos isso. Um AVC pode dar afasia e aí perdem-se palavras, mas é diferente. Temos que ver padrões de comportamento. E sim, stress pode acentuar essas dificuldades de expressão.
AMIGA: Ok, vocês tentam é ajudar a pessoa a comunicar, mas é um neurologista ou assim que faz o diagnóstico, é isso?
EVA: Sim. Neurologista ou psiquiatra. São os médicos que fazem esse diagnóstico.
AMIGA: Obrigada pelas explicações.
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Não hesite, dê dois dedos de conversa connosco!
Eva Antunes
Terapia da Fala |IPNP Saúde
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