Epilepsia na Infância

A epilepsia é uma alteração neurológica, caracterizada pela presença de crises convulsivas recorrentes, resultantes de descargas elétricas síncronas, excessivas e anormais das células nervosas, numa determinada área do encéfalo.

As crises epiléticas têm repercussões ao nível psicológico e neuropsicológico, uma vez que, interferem nas funções cognitivas, no comportamento, na consciência e/ou movimento, gerando alterações neurobiológicas, cognitivas e psicossociais, importantes de serem considerados na prática clínica, principalmente quando ocorrem na infância.
 
Idade precoce no início das crises epiléticas 
O início precoce das crises, principalmente antes dos três anos de idade, pode interferir no desenvolvimento cerebral, afetar o processo de mielinização e reduzir o número de células neuronais.
 
Estes episódios podem ter um impacto no desenvolvimento das funções cognitivas, uma vez que, em idades precoces, o sistema nervoso central é ainda imaturo e a manifestação de crises epiléticas, no córtex ainda em desenvolvimento, pode prejudicar o processo de maturação neurofisiológica das redes neuronais envolvidas na aquisição de competências cognitivas.
 
De acordo com exames imagiológicos, é possível observar que existe uma redução da conectividade cerebral, devido à redução no volume da substância branca do cérebro.
 
Consequências da epilepsia nas várias áreas do funcionamento/desenvolvimento infantil
Nas crises epiléticas, são vários os fatores que podem comprometer o desenvolvimento da criança, sendo agrupados em intrínsecos (epilepsia per se), ou extrínsecos (consequências da epilepsia). Estes últimos podem levar a complicações de ordem orgânica, como alterações neurobiológicas, limitações físicas, cognitivas, entre outras, e subdividem-se em:
 
- Fatores Psicológicos: alterações psicoafetivas e da personalidade; medo, insegurança ou sentimentos de culpa, e preocupações familiares;
- Fatores Sociais:  limitações na interação social, tempos livres e desempenho escolar, com compromisso na convivência com outras crianças (que não sabem o que é a epilepsia), o que pode gerar preconceito e incompreensão por parte dos pares e adultos;
- Fatores orgânicos: diretamente ligados a dificuldades de aprendizagem; 
- Por fim, os fatores ambientais e os efeitos colaterais da medicação podem também ser considerados fatores de relevância nas consequências da epilepsia infantil.
 
Impacto cognitivo fruto de crises epiléticas na infância
Dependendo da área do córtex cerebral onde ocorre a crise epilética, podem surgir alterações neurológicas que podem comprometer a memória, a linguagem, o desenvolvimento da aprendizagem, as competências motoras, regulação emocional, e/ou as funções executivas (capacidade de planeamento, tomada de decisão, atenção, inibição, flexibilidade cognitiva, memória de trabalho, entre outras).

Apesar de as crianças em geral possuírem uma maior capacidade de reorganização cerebral devido à neuroplasticidade, lesões corticais precoces que ocorrem na fase de formação do córtex cerebral, ou seja, quando ainda não foram adquiridas as funções percetivas mais básicas, poderão prejudicar o desenvolvimento de zonas corticais superiores.

Avaliação neuropsicológica
Nestes casos, em que se verifica na criança a existência de um quadro epilético, a avaliação neuropsicológica é fundamental para identificar danos cognitivos, como défices na atenção, memória, velocidade de processamento, funções executivas e linguagem.
 
A avaliação compreende um processo de investigação que visa a mensuração do desempenho da criança em diferentes áreas do funcionamento. Esta representa ainda um importante passo na análise geral da criança, onde são considerados o exame neurológico clínico, exames de neuroimagem, testes psicológicos e/ou neuropsicológicos e informações adicionais, como desempenho académico e comportamento sócio-emocional.
 
De salientar, que deve ser considerada a fase de desenvolvimento em que a criança se encontra, uma vez que, o momento em que ocorre a lesão determina se os défices estão relacionados com uma função já adquirida ou se esta ainda se encontra em fase de organização.
 
De uma forma geral, o exame neuropsicológico na infância deve compreender uma anamnese detalhada, a observação dos comportamentos espontâneos da criança e a avaliação das seguintes áreas:

- Determinação da preponderância manual (lateralidade);
- Funções motoras (motricidade grossa e fina);
- Processamento visual primário (forma, sensibilidade, cor);
- Organização acústico-motora (perceção e representação de sons);
- Perceção tátil (estereognosia);
- Praxia construtiva (perceção, orientação visuoespacial e visuoconstrução);
- Memória (curto e longo prazo – conteúdo visual e auditivo-verbal);
- Linguagem (recetiva e expressiva);
- Atenção;
- Funções executivas;
- Leitura e escrita;
- Capacidade de cálculo (aritmética);
- Processo intelectual global.
 
Em suma, a avaliação neuropsicológica, pretende auxiliar a deteção de disfunções cerebrais com o objetivo da realização de um diagnóstico diferencial e análise da semiologia neurológica que permitam a identificação das dimensões específicas na vida da criança subjacentes a essas disfunções e que possibilite a formulação de estratégias para tratamento e avaliação do prognóstico.
 
Perante um diagnóstico de défice cognitivo fruto de crises epiléticas, impera a necessidade de um acompanhamento neuropsicológico das crianças de modo a intervir precocemente nestas dificuldades que podem muitas vezes ser até mais graves que o próprio quadro epilético.
 
De acordo com vários estudos realizados neste âmbito, as crianças submetidas a um plano de reabilitação neuropsicológica apresentam posteriormente, um melhor desempenho em testes que envolvem atenção, memória de trabalho, memória visual, funções executivas e motoras, bem como a diminuição da hiperatividade.
 
Assim, a reabilitação neuropsicológica pode ser caracterizada por um conjunto de estratégias, que têm como objetivo, proporcionar uma melhor qualidade de vida a uma criança vítima de algum tipo de disfunção encefálica ou alguma patologia psiquiátrica, melhorando os processos cognitivos, emocionais e sociais.




Cristina Silva

Neurospsicologia Clínica | IPNP Saúde


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