Cérebro de pai!


Com o envolvimento crescente dos pais na vida da criança, há cada vez mais interesse da comunidade científica e clínica acerca da base neuronal e da transformação cerebral da paternidade humana. 

 

É inegável o lugar e o papel dos pais na vida da criança; são uma base segura importantíssima para o desenvolvimento afetivo, social e cognitivo, fornecendo o suporte e confiança para explorar o mundo. O pai é uma fonte de resiliência no contexto da adversidade familiar e é imensa a sua capacidade de "curar", proteger e fomentar a maturação e funcionalidade do cérebro social nos membros da família, através da sensibilidade paterna, sintonia e apoio. Mas os benéficos não se encerram apenas na criança, pois também para os pais a experiência é, genericamente, de enorme gratificação e realização! 


É neste contexto dinâmico e recíproco, que surge o interesse de compreender como o cérebro e os sistemas neurohormonais de um pai acolhem a transição para a paternidade e como tais alterações neurobiológicas têm impacto na saúde mental, socialidade e funcionamento familiar de ambos. 

 

Então, o que muda na estrutura e na função cerebral de um homem quando se torna pai? 

Ao rever os estudos fMRI sobre as respostas do cérebro dos pais aos estímulos infantis, sobressaem muitas conclusões interessantíssimas. Em primeiro lugar, e de forma impressionante, quando se compara mães, pais e não-pais verifica-se que, face a estímulos infantis, são ativadas em todos as mesmas estruturas cerebrais, parecendo existir uma rede global de cuidados parentais humanos! Em segundo lugar, a vinculação e a natureza colaborativa dos humanos no cuidar e educar de uma criança são desencadeados por dois antigos sistemas neuroendócrinos que suportam a plasticidade neuronal: o oxitocinérgico e o dopaminérgico, que desempenham um papel importante na evolução animal, uma vez que asseguraram a sobrevivência e aumentam a adaptação. Por último, os estudos de neuroimagem em pais humanos têm trazido informação sem precedentes sobre o cérebro paterno, as suas adaptações flexíveis às experiências de prestação de cuidados, e o seu papel no desenvolvimento do vínculo entre pai e filho/a (ver Abraham & Feldman, 2022; Feldman, 2015, 2017, 2020; Hrdy, 2011; Numan, 2020). 

 

Dos muitos estudos, destacamos as seguintes evidências:  

- comparando as respostas do cérebro das mães cuidadoras primárias e dos pais cuidadores secundários aos estímulos infantis, particularmente ao choro da criança, verificou-se que as mães mostraram uma maior ativação da amígdala, uma região muito importante do nosso sistema emocional. Em contraste, os pais exibiram maiores ativações nas áreas socias e cognitivas corticais, incluindo o giro frontal inferior, lóbulo parietal inferior, área motora suplementar, e sulco temporal superior (ver Glasper et al., 2019; Rilling & Mascaro, 2017).

 

- Num outro estudo com 39 pais (pela primeira vez) e onde foi avaliada a função cerebral aquando da escuta do choro do filho/a, verificou-se uma ativação generalizada dos circuitos envolvidos na empatia e na motivação para a aproximação e para o vínculo; e quanto menor a idade da criança, maior a ativação. Curiosamente, os pais mais velhos consideravam o choro da criança menos aversivo e apresentavam uma menor ativação do córtex cingulado anterior e da ínsula anterior, sugerindo que pais mais velhos estavam mais capazes de evitar a angústia associada à empatia com o choro da criança (ver Abraham & Feldman, 2022; Li et al., 2018).

 

- Freeman e Young (2013) comparam as respostas neuronais de pais que passivamente ouviam o choro do bebé com pais que ativamente o consolavam (Freeman & Young 2013). Comparada com a escuta passiva, a resposta ativa desativou as regiões cerebrais envolvidas na ansiedade e no stress, incluindo a amígdala e o hipocampo, e ativou circuitos cerebrais implicados na empatia e na motivação para a aproximação(córtex anterior cingulado dorsal e substância negra). 

 

- Num estudo de ressonância magnética longitudinal de 35 mães e pais, a massa cinzenta aumentou em ambos na amígdala, no hipotálamo e no córtex pré-frontal. Os pais, mas não as mães, mostraram um aumento da massa cinzenta no corpo estriado,  córtex cingulado subgenual e no sulco temporal superior. Curiosamente, enquanto os cérebros das mães mostravam apenas aumentos de substância cinzenta, os pais também exibiram diminuições no córtex orbitofrontal, no cingulado posterior, no giro fusiforme, e na ínsula. Estes resultados sugerem que os pais reduzem os níveis de ambiguidade e stress durante os primeiros meses de paternidade para os iniciar no papel paterno (ver Kim et al., 2014). 

 

Em suma, estes e outros resultados indicam que o cérebro de um pai se adapta às exigências de cuidados a uma criança através do envolvimento, empenho e esforço (ver Feldman, 2017; Feldman et al., 2019; Rilling & Mascaro, 2017). Globalmente, verifica-se que, em comparação com as mães, os pais tendem a exibir mudanças estruturais mais limitadas durante a transição para a paternidade e mostram menor ativação neuronal nas regiões límbicas de "cuidado dos mamíferos", tais como a amígdala. Em contraste, os pais tendem a exibir maiores ativações nas regiões corticais envolvidas na compreensão e mentalização social.

 

Sem dúvida, que a paternidade constitui um património valiosíssimo para todos aqueles que a envolvem, com semelhanças e especificidades, capazes de explicar a diversidade, mas acima de tudo confirmar que "existo porque fui amado” (Coimbra de Matos, 2007) e, acrescentámos nós, investido de afeto. 





Valéria Sousa-Gomes & Célia Baldaia
Neuropsicologia e Psicoterapia | IPNP Saúde


 

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